“Qual é o lugar do homem?
Onde os seus irmãos precisarem dele."
(Madre Teresa de Calcutá)
A eutanásia é o acto de, invocando compaixão, matar intencionalmente uma pessoa.
A palavra "EUTANÁSIA" é composta de duas palavras gregas ― "eu" e "thanatos" ― e significa, literalmente, "uma boa morte". Na actualidade, entende-se geralmente que "eutanásia" significa provocar uma boa morte ― "morte misericordiosa", em que uma pessoa acaba com a vida de outra pessoa para benefício desta. Este entendimento da palavra realça duas importantes características dos actos de eutanásia. Primeiro, que a eutanásia implica tirar deliberadamente a vida a uma pessoa; e, em segundo lugar, que a vida é tirada para benefício da pessoa a quem essa vida pertence ― normalmente porque ela ou ele sofre de uma doença terminal ou incurável. Isto distingue a eutanásia da maior parte das outras formas de retirar a vida.
Todas as sociedades que conhecemos aceitam algum princípio ou princípios que proíbem que se tire a vida. Mas há grandes variações entre as tradições culturais sobre quando é considerado errado tirar a vida. Se nos voltarmos para as raízes da nossa tradição ocidental, verificamos que no tempo dos gregos e dos romanos, práticas como o infanticídio, o suicídio e a eutanásia eram largamente aceites. A maior parte dos historiadores da moral ocidental estão de acordo em que o judaísmo e a ascensão do Cristianismo contribuíram enormemente para o sentimento geral de que a vida humana tem santidade e não deve ser deliberadamente tirada. Tirar uma vida humana inocente é, nestas tradições, usurpar o direito de Deus de dar e tirar a vida. Escritores cristãos influentes viram-no também como uma violação da lei natural. Este ponto de vista da absoluta inviolabilidade da vida humana inocente permaneceu virtualmente imutável até ao século dezasseis quando Thomas More publicou a sua Utopia. Neste livro, More retrata a eutanásia para os que estão desesperadamente doentes como uma das instituições importantes de uma comunidade ideal imaginária. Nos séculos seguintes, os filósofos britânicos (em particular David Hume, Jeremy Bentham e John Stuart Mill) puseram em questão a base religiosa da moralidade e a proibição absoluta do suicídio, da eutanásia e do infanticídio. O grande filósofo alemão do século dezoito Emmanuel Kant, por outro lado, embora acreditasse que as verdades morais se fundam na razão e não na religião, pensava não obstante que "o homem não pode ter poder para dispor da sua vida".
Aqueles que defenderam a admissibilidade moral da eutanásia apresentaram como principais razões a seu favor a misericórdia para com pacientes que sofrem de doenças para as quais não há esperança e que provocam grande sofrimento e, no caso da eutanásia voluntária, o respeito pela autonomia. Actualmente, certas formas de eutanásia gozam de um largo apoio popular e muitos filósofos contemporâneos têm sustentado que a eutanásia é moralmente defensável. A oposição religiosa oficial (por exemplo, da Igreja Católica Romana), no entanto, manteve-se inalterada, e a eutanásia activa continua a ser um crime em todas as nações com excepção da Holanda e da Bélgica. Aí, a partir de 1973, um conjunto de casos jurídicos estabeleceram as condições de acordo com as quais os médicos, e apenas os médicos, podem praticar a eutanásia: a decisão de morrer deve ser a decisão voluntária e reflectida de um paciente informado; tem de existir sofrimento físico ou mental considerado insuportável por aquele que sofre; não haver outra solução razoável (i.e. aceitável pelo paciente) para melhorar a situação; e o doutor tem de consultar outros profissionais superiores.
Para analisarmos melhor o assunto sobre a eutanásia é necessário estabelecer algumas distinções. A eutanásia pode ter três formas: voluntária, não-voluntária e involuntária.
EUTANÁSIA VOLUNTÁRIA, NÃO-VOLUNTÁRIA E INVOLUNTÁRIA
Há uma relação estreita entre eutanásia voluntária e suicídio assistido, em que uma pessoa ajuda outra a acabar com a sua vida (por exemplo, quando A obtém os medicamentos que irão permitir a B que se suicide). Um exemplo deste caso é o de Ramón Sampedro:
Ramón Sampedro era um espanhol, tetraplégico desde os 26 anos, que solicitou à justiça espanhola o direito de morrer, por não mais suportar viver. Ramón Sampedro permaneceu tetraplégico por 29 anos. A sua luta judicial demorou cinco anos. O direito à eutanásia activa voluntária não lhe foi concedido, pois a lei espanhola caracterizaria este tipo de acção como homicídio. Com o auxílio de amigos planejou a sua morte de maneira a não incriminar sua família ou seus amigos. Em Novembro de 1997, mudou-se de sua cidade, Porto do Son/Galícia-Espanha, para La Coruña, 30 km distante. Tinha a assistência diária de seus amigos, pois não era capaz de realizar qualquer actividade devido a tetraplegia. No dia 15 de Janeiro de 1998 foi encontrado morto, de manhã, por uma das amigas que o auxiliava. A autopsia indicou que a sua morte foi causada por ingestão de cianeto. Ele gravou em vídeo os seus últimos minutos de vida. Nesta fita fica evidente que os amigos colaboraram colocando o copo com um canudo ao alcance da sua boca, porém fica igualmente documentado que foi ele quem fez a acção de colocar o canudo na boca e sugar o conteúdo do copo. A repercussão do caso foi mundial, tendo tido destaque na imprensa como morte assistida.
A amiga de Ramón Sampedro foi incriminada pela polícia como sendo a responsável pelo homicídio. Um movimento internacional de pessoas enviou cartas "confessando o mesmo crime". A justiça, alegando impossibilidade de levantar todas as evidências, acabou por arquivar o processo.
Mesmo que a pessoa já não esteja em condições de afirmar o seu desejo de morrer quando a sua vida acabou, a eutanásia pode ser voluntária. Pode-se desejar que a própria vida acabe, no caso de se ver numa situação em que, embora sofrendo de um estado incurável e doloroso, a doença ou um acidente tenham tirado todas as faculdades racionais e já não seja capaz de decidir entre a vida e a morte. Se, enquanto ainda capaz, tiver expresso o desejo reflectido de morrer quando numa situação como esta, então a pessoa que, nas circunstâncias apropriadas, tira a vida de outra actua com base no seu pedido e realiza um acto de eutanásia voluntária.
A eutanásia é não-voluntária quando a pessoa a quem se retira a vida não pode escolher entre a vida e a morte para si ― porque é, por exemplo, um recém-nascido irremediavelmente doente ou incapacitado, ou porque a doença ou um acidente tornaram incapaz uma pessoa anteriormente capaz, sem que essa pessoa tenha previamente indicado se sob certas circunstâncias quereria ou não praticar a eutanásia.
A eutanásia é involuntária quando é realizada numa pessoa que poderia ter consentido ou recusado a sua própria morte, mas não o fez ― seja porque não lhe perguntaram, seja porque lhe perguntaram mas não deu consentimento, querendo continuar a viver. Embora os casos claros de eutanásia involuntária possam ser relativamente raros, houve quem defendesse que algumas práticas médicas largamente aceites (como as de administrar doses cada vez maiores de medicamentos contra a dor que eventualmente causarão a morte do doente, ou a suspensão não consentida ― para retirar a vida ― do tratamento) equivalem a eutanásia involuntária.
EUTANÁSIA ACTIVA E PASSIVA
Até agora, definimos "eutanásia" de forma vaga como "morte misericordiosa". Há, contudo, duas formas diferentes de provocar a morte de outro; pode-se matar administrando, por exemplo uma injecção letal, ou pode-se permitir a morte negando ou retirando tratamento de suporte à vida. Casos do primeiro género são vulgarmente referidos como eutanásia "activa" ou "positiva", enquanto casos do segundo género são frequentemente referidos como eutanásia "passiva" ou "negativa". Quaisquer dos três géneros de eutanásia indicados anteriormente ― eutanásia voluntária, não-voluntária e involuntária ― tanto podem ser passivos ou activos.
Um caso de eutanásia não-voluntária passiva recente é o de Terry Schiavo.
Theresa Marie (Terri) Schindler-Schiavo, de 41 anos, teve uma paragem cardíaca, em 1990, talvez devido a perda significativa de potássio associada a Bulimia, que é um distúrbio alimentar. Ela permaneceu, pelo menos, cinco minutos sem fluxo sanguíneo cerebral. Desde então, devido a grande lesão cerebral, ficou em estado vegetativo, de acordo com as diferentes equipas médicas que a trataram. Após longa disputa familiar, judicial e política, foi-lhe retirada a sonda que a alimentava e hidratava, tendo vindo a falecer em 31 de Março de 2005.
O Caso Terri Schiavo tem tido grandes repercussões nos Estados Unidos, assim como noutros países, devido a discordância entre seus familiares na condução do caso. O esposo, Michael Schiavo, desejava que a sonda de alimentação fosse retirada, enquanto que os pais da paciente, Mary e Bob Schindler, assim como seus irmãos, lutaram para que a alimentação e hidratação fossem mantidas. Por três vezes o marido ganhou na justiça o direito de retirar a sonda. Nas duas primeiras vezes a autorização foi revertida. Em 19 de Março de 2005 a sonda foi retirada pela terceira vez, permanecendo assim até a sua morte. Este caso tem sido relatado na imprensa leiga como sendo uma situação de eutanásia, mas pode muito bem ser enquadrado como sendo uma suspensão de uma medida terapêutica considerada como sendo não desejada pela paciente e incapaz de alterar o prognóstico de seu quadro.
A sociedade tem se manifestado nestes 15 anos tanto a favor quanto contra a retirada da sonda de alimentação através de manifestações públicas e acções continuadas. Alguns questionam o direito de uma outra pessoa poder tomar esta decisão, por representação, tão importante em nome de outra. Outros discutem a questão de recursos já gastos na manutenção de uma paciente sem possibilidade de alterar o seu quadro neurológico.
A imprensa mundial tem dado destaque a esta situação, além dos noticiários, em programas de debates, pesquisas de opinião, apresentando uma perspectiva meramente dicotómica* ou maniqueísta **. As pessoas são forçadas a se posicionarem apenas de forma contra ou a favor.
Este caso permite abordagens múltiplas. A questão central pode ser a da tomada de uma decisão desta magnitude por um representante legal que tem questionado a sua defesa dos melhores interesses da paciente. Outras questões como má prática profissional, conflitos de interesse de profissionais, familiares, políticos, advogados e juízes, privacidade, autodeterminação, veracidade, justiça, beneficência, eutanásia versus homicídio, eutanásia versus retirada de tratamento, entre outras, podem ser levantadas. Este caso é um exemplo da transformação de uma decisão privada, que deveria ter sido tomada no âmbito familiar, para a esfera pública, de uma questão de atender ao melhor interesse da paciente, para transformar-se em um espectáculo.
*Dicotómico – Bifurcado (certo/errado)
**Maniqueísta – Aquele que admite um principio do bem e um principio do mal, independentes e em luta um contra o outro.
Há um amplo acordo em que as omissões tal como as acções podem constituir eutanásia. A Igreja Católica Romana, na sua Declaração sobre a Eutanásia, por exemplo, define eutanásia como "uma acção ou omissão que por si própria ou por intenção causa a morte" A discordância filosófica tem por origem a questão de saber quais as acções e omissões que constituem casos de eutanásia. Assim, às vezes nega-se que um médico, que se recusa a ressuscitar um recém-nascido gravemente incapacitado, esteja a praticar eutanásia (não-voluntária passiva), ou que um médico, que administra doses cada vez maiores de um medicamento para as dores que sabe que acabará por resultar na morte do doente, esteja a praticar algum género de eutanásia. Outros autores defendem que sempre que um agente pratica uma acção ou omissão que deliberada e intencionalmente resulta na morte prevista do doente, realizou eutanásia activa ou passiva.
Apesar da grande diversidade de pontos de vista sobre este assunto, os debates sobre a eutanásia têm-se centrado sobretudo em certos temas:
1. O facto de a morte ser activamente (ou positivamente) provocada, em vez de ter ocorrido em consequência dos tratamentos de suporte à vida terem sido recusados ou retirados, é moralmente relevante?
2. Deve-se usar sempre todos os meios de suporte à vida disponíveis, ou há certos meios "extraordinários" ou "desproporcionados" que não é necessário empregar?
3. O facto de a morte do doente ser directamente desejada, ou acontecer apenas como uma consequência antecipada da acção ou omissão do agente, é moralmente relevante?
ACÇÕES E OMISSÕES/MATAR E DEIXAR MORRER
Disparar sobre alguém é uma acção que poderá levar à morte. Não conseguir ou não querer ajudar a vítima de um tiroteio é uma omissão, pois deixou o outro morrer. Mas nem todas as acções ou omissões que resultam na morte de uma pessoa são de interesse central no debate da eutanásia. O debate da eutanásia diz respeito a acções e omissões intencionais ― isto é, com mortes deliberada e intencionalmente provocadas numa situação em que o agente poderia ter agido de outro modo.
Há alguns problemas em distinguir entre matar e deixar morrer, ou entre eutanásia activa e passiva. Se a distinção entre matar e deixar morrer se apoiasse meramente na distinção entre acções e omissões, então o agente que, digamos, desliga a máquina que suporta a vida de outro, mata este, enquanto o agente que se recusa à partida a colocar alguém numa máquina de suporte à vida, permite apenas que alguém morra. Muitos autores não consideraram esta distinção entre matar e deixar morrer plausível e foram feitas várias tentativas de a traçar de outro modo. Uma sugestão plausível é que vejamos matar como dando início a um curso de acontecimentos que levam à morte; e permitir morrer como não intervindo num curso de acontecimentos que levam à morte. Segundo este esquema, a administração de uma injecção letal seria matar; enquanto que não pôr um paciente num ventilador, ou tirá-lo, seria deixar morrer.
É a distinção entre matar e deixar morrer, ou entre eutanásia activa e passiva, moralmente significativa? Matar uma pessoa é sempre moralmente pior do que deixá-la morrer?
Foram propostas várias razões para que seja assim. Uma das mais plausíveis é que um agente que mata, causa a morte, enquanto que um agente que deixa morrer permite apenas que a natureza siga o seu caminho. Houve também quem defendesse que esta distinção entre "fazer acontecer" e "deixar acontecer", é moralmente importante na medida em que põe limites aos deveres e responsabilidades que um agente tem de salvar vidas. Embora evitar matar alguém exija pouco ou nenhum esforço, normalmente salvar alguém exige esforço. Se matar e deixar morrer estivessem moralmente ao mesmo nível, assim continua o argumento, seríamos tão responsáveis pela morte daqueles que não conseguimos salvar como somos pela morte daqueles que matamos ― e ser incapaz de ajudar os africanos que morrem de fome seria o equivalente moral de mandar-lhes comida envenenada. Isto, continua o argumento, é absurdo: somos mais, ou diferentemente, responsáveis pela morte daqueles que matamos do que pelas mortes daqueles que não conseguimos salvar. Assim, matar uma pessoa é, mantendo-se o resto igual, pior do que deixar uma pessoa morrer.
Mas mesmo que às vezes se possa traçar uma distinção moralmente relevante entre matar e deixar morrer, é claro que isso não significa que a distinção se aplique sempre. Pelo menos às vezes somos tão responsáveis pelas nossas omissões quanto pelas nossas acções.
Além disso, quando o argumento acerca do significado moral da distinção entre matar e deixar morrer é apresentado no contexto do debate da eutanásia, tem que se considerar um facto adicional. Matar alguém, ou deixar deliberadamente alguém morrer, é geralmente uma coisa má porque priva essa pessoa da sua vida. Em circunstâncias normais as pessoas valorizam as suas vidas, e continuar a viver é do seu interesse.
Quando se trata de questões de eutanásia é diferente. Em casos de eutanásia, a morte ― uma vida não continuada ― é do interesse da pessoa. Isto significa que um agente que mata, ou um agente que deixa morrer, não está a fazer mal mas a beneficiar a pessoa a quem a vida pertence.
Quando utilizamos todos os meios de suporte à vida disponíveis, sendo alguns considerados “extraordinários”, estamos perante o conceito de distanásia, considerada contrária à eutanásia.
Distanásia
A distanásia (do grego “dis”, mal, algo mal feito, e “thánatos”, morte) é etimologicamente o contrário da eutanásia. Consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios, proporcionados ou não, ainda que não haja esperança alguma de cura, e ainda que isso signifique infligir ao moribundo sofrimentos adicionais e que, obviamente, não conseguirão afastar a inevitável morte, mas apenas atrasá-la umas horas ou uns dias em condições deploráveis para o doente.
Tecnologias médicas poderosas permitem aos médicos manter a vida de muitos pacientes que, apenas há uma década ou duas atrás, teriam morrido porque os meios para impedir a morte não existiam. Devido a isto, coloca-se ainda com mais urgência uma velha questão: devem os médicos fazer sempre tudo o que é possível para tentar salvar a vida de um doente? Devem eles fazer esforços "heróicos" para acrescentar mais umas quantas semanas, dias, ou horas à vida de um doente terminal sofrendo de cancro? Deve o tratamento activo de bebés que nasceram com tantas deficiências que a sua curta vida será preenchida com pouco mais do que sofrimento contínuo ser sempre instigado?
A maior parte dos autores da área concordam em que há alturas em que o tratamento de suporte à vida deve ser retirado e se deve permitir que um doente morra. Este ponto de vista é partilhado mesmo por aqueles que vêem a eutanásia ou o termo intencional da vida sempre como errado. Isto levanta a necessidade premente de um critério que distinga entre omissões admissíveis e não-admissíveis dos meios de suporte à vida.
Tradicionalmente, esta distinção foi traçada em termos dos chamados meios normais e extraordinários de tratamento. A distinção tem uma longa história e foi empregue pela Igreja Católica Romana para lidar com o problema da cirurgia antes do desenvolvimento de antisépticos e anestésicos. Se um paciente recusava os meios normais ― por exemplo, a comida ― essa recusa era vista como suicídio, ou termo intencional da vida. A recusa de meios extraordinários (por exemplo, uma cirurgia dolorosa ou de risco), por outro lado, não era vista como o termo intencional da vida.
Actualmente, a distinção entre meios de suporte à vida que são vistos como normais e obrigatórios e meios que não o são é na maior parte das vezes expressa em termos de meios de tratamento "proporcionados" e "desproporcionados". Um meio é "proporcionado" se oferece uma esperança razoável de benefício para o doente; é "desproporcionado" se não oferece.
Contudo, nem toda a gente concorda que a interrupção do tratamento extraordinário ou desproporcionado é um caso de eutanásia passiva.
ASPECTOS HISTÓRICOS
Se a definição actual da palavra, no seu genérico, data de menos de um século, a prática é, sem dúvida, quase tão velha como a humanidade. A discussão acerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia apareceu, primeiramente, na Grécia antiga; Platão, Epicuro e Plínio foram os primeiros filósofos a abordarem o tema. Platão na República, expõe já conceitos solucionadores patrocinando o homicídio dos anciões, dos débeis e dos enfermos. Igualmente Sócrates defendia a ideia de que o sofrimento resultante de uma força dolorosa justificava o suicídio. Aristóteles, Pitágoras e Epicuro, ao contrário, condenavam tal prática. Hipócrates, por sua vez, declarou no seu Juramento: “eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo”.
Os antigos praticavam a eutanásia, em larga escala, contra as crianças raquíticas, velhos, enfermos, incuráveis, aleijados, como confessa Platão: “estabelecerá em nossa República uma medicina e uma jurisprudência que se limitem ao cuidado dos que receberam da natureza corpo são e alma famosa; e pelo que toca aos que receberam corpo mal organizado, deixá-los morrer e que sejam castigados com pena de morte os de alma incorrigível”.
Tal prática aparece também associada a motivações e ritos religiosos; povos primitivos sacrificavam os enfermos, os velhos, os débeis, em benefício dos outros.
Na Índia antiga, os doentes incuráveis eram atirados publicamente ao Rio Ganges, depois de receberem na boca e no nariz um pouco de lama sagrada.
Os Brâmanes tinham por lei matar ou abandonar nas selvas os recém-nascidos que padeciam de má índole, sendo considerados inaproveitáveis para a sociedade.
Os Celtas, além de matarem as crianças deformadas ou monstruosas, eliminavam também os velhos, uma vez que os desnecessários à sociedade e não contribuíam para o enriquecimento da nação. É oportuno lembrar que este costume ainda é praticado, actualmente, por alguns povos como por exemplo, os batas e os neocaledónios.
Os Germanos matavam os enfermos. Na Birmânia, eram enterrados vivos os doentes incuráveis, enquanto que os Eslavos e Escandinavos, apressavam a morte de seus pais enfermos.
Os povos caçadores e errantes, matavam seus pares velhos, doentes, feridos, para que os mesmos não ficassem abandonados à sorte e às feras, nem tão pouco fossem trucidados pelos inimigos. Atitude esta, movida pelo carinho e atenção que dispensavam a seus etes queridos, sendo que tal atitude foi largamente imitada pelos Índios brasileiros.
Em Esparta, era prática comum e até mesmo obrigatória a precipitação de recém-nascidos com malformações do alto do monte Taijeto, por serem inúteis para a comunidade, a fim de evitar qualquer sofrimento ou virem a constituir-se carga para os familiares e para o Estado. Aqui o homicídio não era considerado crime, desde que praticado em hora dos deuses; e o assassinato dos velhos, pedido muitas vezes por eles mesmos, era uma obra de piedade filial.
Em Atenas, o senado tinha poderes de facultar a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes “conium maculatum” (bebida venenosa) em banquetes especiais.
Segundo Giuseppe Del Vecchio, os gestos dos Césares, voltando para baixo o polegar (“pollice verso”) nos circos romanos, equivalia à prática da eutanásia. Os infelizes gladiadores, mortalmente feridos nos combates viam, assim, abreviados os sofrimentos pela compaixão real.
Na tradição bíblica, o rei de Israel, Saúl, ferido no campo de batalha, e a fim de não cair prisioneiro, lançou-se sobre a sua espada e morreu. Teria sido a primeira eutanásia da história?
Na Idade Média, dava-se aos guerreiros feridos um punhal afiadíssimo, chamado “misericórdia”, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra.
Napoleão Bonaparte, na campanha do Egipto, pediu ao médico que matasse os soldados atacados pela peste, tendo o cirurgião respondido que o médico não mata, a sua função é curar.
No século passado, o seu apogeu foi em 1895, na então Prússia, quando, durante a discussão do seu plano nacional de saúde, foi proposto que o Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para solicitá-la.
No século XX, esta discussão teve um de seus momentos mais acalorados entre as décadas de 20 e 40. Foi enorme o número de exemplos de relatos de situações que foram caracterizadas como eutanásia, pela imprensa leiga, neste período. O Prof. Jiménez de Asúa catalogou mais de 34 casos. No Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, mas também no Rio de Janeiro e em São Paulo, inúmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935.
Em 1931, na Inglaterra, o Dr. Millard, propôs uma Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Esta sua proposta serviu, posteriormente, de base para o modelo holandês. Durante os debates, em 1936, o médico real, Lord Dawson, revelou que tinha "facilitado" a morte do Rei George V, utilizando morfina e cocaína.
O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal, através da possibilidade do "homicídio piedoso". Esta legislação uruguaia possivelmente seja a primeira regulamentação nacional sobre o tema. Vale salientar que esta legislação continua em vigor até o presente. A doutrina do Prof. Jiménez de Asúa, penalista espanhol, proposta em 1925, serviu de base para a legislação uruguaia.
Em outubro de 1939 foi iniciado o programa nazista de eutanásia, sob o código "Aktion T 4". O objetivo inicial era eliminar as pessoa que tinham uma "vida que não merecia ser vivida". Este programa materializou a proposta teórica da "higienização social".
Em 1954, o teólogo episcopal Joseph Fletcher, publicou um livro denominado "Morals and Medicine", onde havia um capítulo com título "Euthanasia: our rigth to die". A Igreja Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária a eutanásia por ser contra a "lei de Deus". O Papa Pio XII, numa alocução a médicos, em 1957, aceitou, contudo, a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito secundário a utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis, por exemplo. Desta forma, utilizando o princípio do duplo efeito, a intenção é diminuir a dor, porém o efeito, sem vínculo causal, pode ser a morte do paciente.
Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução contrária a eutanásia.
Em 1973, na Holanda, uma médica geral, Dra. Geertruida Postma, foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe, com uma dose letal de morfina. A mãe havia feito reiterados pedidos para morrer. Foi processada e condenada por homicídio, com uma pena de prisão de uma semana (suspensa), e liberdade condicional por um ano. Neste julgamento foram estabelecidos os critérios para ação do médico.
Em 1980, o Vaticano divulgou uma Declaração sobre Eutanásia, onde existe a proposta do duplo efeito e a da descontinuação de tratamento considerado fútil.
Em 1981, a Corte de Rotterdam revisou e estabeleceu os critérios para o auxílio à morte. Em 1990, a Real Sociedade Médica dos Países Baixos e o Ministério da Justiça estabeleceram uma rotina de notificação para os casos de eutanásia, sem torná-la legal, apenas isentando o profissional de procedimentos criminais.
Em 1991, houve uma tentativa frustrada de introduzir a eutanásia no Código Civil da Califórnia/EEUU. Neste mesmo ano a Igreja Católica, através de uma Carta do Papa João Paulo II aos bispos, reiterou a sua posição contrária ao aborto e a eutanásia, destacando a vigilância que as escolas e hospitais católicos deveriam exercer na discussão destes temas.
Os Territórios do Norte da Austrália, em 1996, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia. Meses após esta lei foi revogada, impossibilitando a realização da eutanásia na Austrália.
Em 1996, foi proposto um projeto de lei no Senado Federal (projeto de lei 125/96), instituíndo a possibilidade de realização de procedimentos de eutanásia no Brasil. A sua avaliação nas comissões especializadas não properou.
Em maio de 1997 a Corte Constitucional da Colombia estabeleceu que "ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por tirar a vida de um paciente terminal que tenha dado seu claro consentimento". Esta posição estabeleceu um grande debate nacional entre as correntes favoráveis e contrárias. Vale destacar que a Colombia foi o primeiro país sul-americano a constituir um Movimento de Direito à Morte, criado em 1979.
Em outubro de 1997 o estado do Oregon, nos Estados Unidos, legalizou o suicídio assistido, que foi interpretado erroneamente, por muitas pessoas e meios de comunicação, como tendo sido autorizada a prática da eutanásia.
Em novembro de 2000 a Câmara de Representantes dos Países Baixos aprovou, com uma parte do plenário se manifestando contra, uma legislação sobre morte assistida. Esta lei permitirá inclusive que menores de idade possam solicitar este procedimento. Falta ainda a aprovação pelo Senado, mas a aprovação é dada como certa. Esta lei apenas torna legal um procedimento que já era consentido pelo Poder Judiciário holandês. A repercussão mundial foi muito grande com forte posicionamento do Vaticano afirmando que esta lei atenta contra a dignidade humana.
ARGUMENTOS A FAVOR
O homem começa a morrer na idade
em que perde o entusiasmo.
(Balzac)
Na Alemanha, em 1973, cerca de 53% declarara-se a favor da eutanásia activa, cifra em franco progresso a avaliar pelos 55% de 1977 e pelos confortáveis 66% de 1984. Em 1987-88, em Inglaterra, 72% e em França, 76% se declararam a favor. Também segundo os médicos holandeses, pacientes em fases terminais e acometidos de grandes sofrimentos chegam a reclamar a prática da eutanásia, em média, seis vezes ao dia.
Durante este século, e um pouco por todo o lado, assistimos à criação de associações que se auto-denominam “defensoras da prática da eutanásia”. A primeira dessas associações, e que viria a ter grande papel na inspiração das posteriores, foi fundada na Grã-Bretanha em 1935 e denominada “V.E.S. – The Voluntary Euthanasia Society”, que viria a ser conhecida pelo titulo sugestivo de “Exit”. Por esta altura, um advogado de Chicago, Lewis Kutner, sugeriu a elaboração de um “testamento de vida”, documento pelo qual o assinante podia expressar a recusa em que se prolongasse artificialmente a sua vida.
Os casos de Karen Quinlan, a agonia do marechal Tito ou do general Franco, com grande repercussão nos média, comoveram a opinião pública, que se pronunciou por uma morte rápida e com o mínimo de sofrimento. Em 1974, três cientistas prémios Nobel, Linus Pauling, Gerog Thomson e Jacques Monod foram os primeiros subscritores do “Manifesto em favor da eutanásia humanitária”, publicado na revista “The Humanist” de Julho/Agosto de 1974.
1. Direito de morrer - se por um lado a sociedade proclama o direito à vida como um valor absoluto e inviolável, não menos importância parece ter a proclamação da autonomia e da liberdade do homem que poderá, no fim de contas, levar o homem a renunciar a qualquer direito que poderá, no fim de contas, levar o homem a renunciar a qualquer direito, inclusive o direito à vida, desde que a sua escolha seja realmente voluntária, isto é, não sujeita a uma pressão externa e ou resultante de informação completa. Os defensores da eutanásia associam assim ao direito de viver com dignidade o direito de morrer dignamente, o qual não pressupõe mais do que pôr termo à vida para se ser aliviado do sofrimento.
2. Evolução cultural – os nossos dias desenvolveram diversas correntes ideológicas que, mais do que nunca, exacerbam a centralidade do homem, da sua liberdade e da sua autonomia. a vida humana é pois pautada por escolhas pessoais, inclusivamente para morrer. Morrer deixa de ser um acontecimento clínico para se transformar numa decisão pessoal.
3. Para muitas áreas culturais e religiosas – a vida não possuiu um valor absoluto. A argumentá-lo estão a guerra, a pena de morte, a legítima defesa, as mortes até contabilisticamente previsíveis em acidentes de trabalho e de viação, e outros.
“Suicídio medicamente assistido”- A expressão “suicídio medicamente assistido” aplica-se aos casos em que o médico, ou uma terceira pessoa, fornece ao doente os meios para pôr termo à vida, sendo ele incapaz de o fazer sem ajuda. Difere de eutanásia activa voluntária porque nesta o médico pratica o acto letal, enquanto no primeiro caso é um mero assistente ou cúmplice. É defendida a sua prática com base nos seguintes argumentos:
1. O objectivo da medicina é aliviar o sofrimento dos doentes
2. Actualmente, deve haver respeito pelo doente face à evolução da tecnologia. Passamos de um quadro sociológico em que se morria em casa para o processo de morrer nos hospitais bem equipados, onde muitas vezes é prolongado, de forma desumana, o processo agónico.
3. Necessidade de os médicos respeitarem a autonomia individual.
4. Compreensão dos usos errados dos poderes da vida e da morte e adaptação às novas situações.
5. O suicídio medicamente assistido é praticado desde há muitos anos, em privado, devido à boa relação entre médico e doente.
6. Há uma grande diversidade de argumentos religiosos, a favor e contra a eutanásia, existindo também muitas religiões diferentes, mas nenhuma lei religiosa deve prevalecer sobre o direito de autonomia dos doentes.
“Eutanásia”: o caso da Holanda – Na Holanda, a eutanásia define-se como “o acto intencional de retirar a vida a uma pessoa, com base no seu pedido explícito”. Em 1971, uma médica holandesa de nome Geertuda Postma, administrou uma injecção letal de morfina na mãe de 78 anos, por pedido insistente desta; a mãe estava surda e parcialmente paralisada, encontrando-se numa cadeira de rodas. Como a mãe estava internada num lar e a médica deu formalmente conta do que tinha feito ao director do lar, este viu-se na obrigação de fazer queixa da médica. O caso foi levado a tribunal e provocou grande agitação na opinião pública. Sucederam-se vários movimentos de apoio à Dra. Postma, tanto da população em geral como da parte médica. Em 1973, o tribunal de Leeuwarden acabou por considerar a médica culpada e sentenciada a uma semana de prisão e a um ano de liberdade condicional. A base de justificação para pena assim leve foi o facto de a eutanásia ter sido insistentemente pedida, e em que a única alternativa a um tão grande sofrimento era a morte. Após a decisão do tribunal houve muitos debates acesos sobre a eutanásia, o direito de morrer e a defesa da legitimação moral da eutanásia voluntária.
Em 1984, aconteceu outro caso polémico, designado por “caso Alkamaar”. O Dr. Schoonheim tinha uma doente idosa que dez uma fractura incurável na bacia. Enquanto acamada teve um acidente cerebral, de que resultou a perda de visão e de audição. Como a doente, mesmo antes de isto ter acontecido, repetidamente lhe pedira que praticasse a eutanásia no caso de ficar em condições de degradação semelhantes às de agora vividas, o médico conferenciou com o filho dela; e por insistência de ambos, administrou à doente uma injecção letal de morfina. Este caso levantou sérios problemas e violentas discussões nos tribunais holandeses e, quando já se encontrava ao nível do Supremo Tribunal, embora antes de se ter chegado a um veredicto final, a Real Associação Médica Holandesa (RDMA) emitiu uma lista de critérios que permitiriam a prática de eutanásia. Os critérios estabelecidos foram os seguintes:
1. Solicitação voluntária, competente, explícita e persistente, por parte do doente.
2. Solicitação do doente baseada em informações completas.
3. Situação de sofrimento físico ou mental que seja considerado inaceitável ou insuportável pelo doente.
4. Inexistência de outras alternativas à eutanásia; tendo já sido tomadas todas as hipóteses aceitáveis para redução da dor ou do sofrimento do doente.
5. Obrigatoriedade de troca de opinião do médico assistente com, pelo menos, um outro médico.
Em Novembro de 1984, em parte devido a este documento, o Supremo Tribunal declarou o seguinte:”regra geral, a eutanásia é punida por lei … no entanto, quando os médicos estiverem perante um conflito de deveres poderão invocar, como defesa, a necessidade”.
A 30 de Novembro de 1993 foi aprovada uma lei que criou a base legal, para além do mero entendimento com a RDMA e o Ministério da Justiça, de critérios do exercício da eutanásia que foram, fundamentalmente, os que tinham sido já enunciados pela RDMA. Com esta medida politica a eutanásia foi descriminalizada, embora continuasse ilegal.
Em 21 de Junho de 1994 o Supremo Tribunal da Holanda reafirmou o seu apoio à lei de 1993 e declarou que a “eutanásia ou suicídio assistido num caso de sofrimento só é aceitável quando o médico actua com o máximo de cuidados”. E foram anunciados quatro requisitos que o médico tem cumprir para que possa praticar a eutanásia, para além dos critérios gerais já mencionados anteriormente:
1. Ser cuidadoso relativamente à dosagem e administração da medicação.
2. Consultar outros terapeutas envolvidos (ex: enfermeiros no caso de doentes internados).
3. Regra geral, informar os parentes do doente.
4. Regra geral, estar presente, no caso de suicídio assistido.
Com base nos resultados de um novo projecto de investigação em Novembro de 1996, o governo holandês decidiu, em Janeiro de 1997, que a força da lei criminal nos casos de eutanásia deveria ser diminuída e apresentou uma proposta de alteração de lei: nomear-se um comité, constituído por um advogado, um médico e um eticista, para apreciar cada caso de eutanásia.
Sintetizando o que se passa actualmente na Holanda, em termos práticos, pode dizer-se que a eutanásia é oficialmente proibida, mas existe uma “tolerância oficial” em relação a ela.
ARGUMENTOS CONTRA
O que não provoca minha morte faz
com que eu fique mais forte
(Friedrich Nietzsche)
Apesar do muito que se tem escrito, dos debates efectuados, conferências e legislação díspares, o certo é que a questão fundamental da eutanásia não está ainda resolvida, seja por falta de consensos, ou por ausência de fundamento.
Empreendeu-se alguma investigação sobre os argumentos contra, nomeadamente os de ordem moral, comunitária e cristã.
Argumentos de ordem moral e comunitária:
Os argumentos de oposição à eutanásia são sustentados por argumentos de ordem moral e cristã.
Os hedonistas sustentam que o bem moral é um prazer, enquanto que o mal moral é a dor, de forma que a bondade da acção – eutanásia – se mede pelo prazer que dele resulta, ou seja, pela ausência de dor que a situação determina.
Para os utilitaristas o bem moral é o útil, ou seja, o que causa a comodidade, o interesse e o conforto; o mal é o que provoca um dano, sendo que uma acção – a eutanásia – é boa ou não segundo a utilidade ou o prejuízo que traz ao indivíduo ou à sociedade.
A explicação reducionista defendida hoje por núcleos ideológicos anglo-saxónicos, do existencialismo e do vitalismo – entendendo que a condição fundamental da vida humana é algo conseguido ou conquistado pelo homem e não algo originário anterior ao esforço ou artificio que o homem põe para o conseguir.
Os colectivistas, por seu lado, dizem que a vida humana carece de um valor intrínseco independentemente do que fazem os outros para torná-la humana, admitindo que só pela aceitação social o “esse” biológico se converteria num “tu”. A ser assim o doente incurável ou terminal é um estorvo, um fardo, um incómodo e ainda por cima dispendioso, sendo legítimo que se mate, ainda que em nome de uma dolorosa exigência social.
Mas a ser a sociedade a decidir o direito á vida de um e não o reconhecer a outro – a eliminar os indesejáveis – como defender valores de combate ao racismo, à eugenia, à discriminação arbitrária – do sexo, idade, cor – da abolição da pena de morte, etc?
No entanto, se admitirmos a legitimidade da vida humana quer se trate de embrião indefeso, do deficiente, ou de um doente incurável, faz sentido a reflexão sobre os valores que a sociedade defende e até a própria legislação – como defesa exemplar ética para os homens no seu duplo sentido de ser primariamente mestra e pedagoga de uma vida recta e, secundariamente, correctora de desvios e corrupções, através de sanções. Só na defesa da legitimidade da vida humana como um direito em si faz sentido combater o terrorismo, a droga, o abuso de crianças, o aborto, a eutanásia.
Considerando ser o primeiro direito do homem – o direito à vida – na sua realidade profunda, desde o nascimento até à morte e cujo desenvolvimento e identidade há que respeitar, então a aceleração da morte de um doente incurável ou terminal não pode ser desejável, através da eutanásia, seja ela activa ou passiva, voluntária ou involuntária, contribuindo para a eliminação de seres humanos, quer se trate de adultos com mente sã e portadores de doença incurável, crianças ou doentes mentais. Torna-se evidente a desumanização e anti-socialização pela eutanásia, porque ataca o próprio fundamento da comunidade que é a vida dos seus membros.
Em ultima análise, é a morte que dá sentido à vida, tornando-a qualquer coisa de precioso a conservar, a defender, a prolongar, a enriquecer. Mais vida não faz desejar menos vida, mas acrescenta-lhe o desejo e a importância. A vida torna-se tanto mais preciosa, quanto mais se intensifica, quanto mais espaço subtrai à morte.
Argumentos da deontologia médica:
Dos argumentos mais antigos que se conhecem sobre a sobrevivência humana, e que perpassam as diferentes culturas até à actualidade sobressai a esperança constante sobre a vida e que popularmente dizemos: “enquanto há vida há esperança!”.
Relativamente aos médicos e á medicina é sentir comum que nunca se pode ter total certeza de que determinada doença é incurável.
Nalgumas culturas ditas evoluídas (EUA, Reino Unido, Países Nórdicos), tudo se espera da medicina e da tecnologia, a morte humana não é considerada um fenómeno biológico natural e inevitável; se não há cura, que se mate! Segue-se, que numa sociedade em que se despenalize a eutanásia, ninguém, jamais, estará seguro. Matar não pode ser nunca um acto médico!
Os critérios médicos ocidentais assentam em regras práticas de bom senso, sendo a primeira de não fazer mal o que implica fazer bem ao doente, assente em critérios de valores situados na ordem do bem. No doente terminal torna-se ainda mais imperioso favorecer a qualidade de vida, nesta última fase – aliviando o desconforto físico, emocional e espiritual, através do controlo permanente e eficaz da dor, recorrendo a analgésicos e se necessário a opiáceos. Manter-se aberto, acolhedor, disponível, descontraído e afável é o verdadeiro papel do médico e dos profissionais de saúde, postura só conseguida através da competência, formação e coração.
Argumentos da doutrina cristã:
A doutrina social da igreja na qual a questão da eutanásia se insere, inspira-se no Evangelho e tem como objectivo primário a dignidade pessoal da vida humana, imagem de Deus e salvaguarda dos seus direitos inalienáveis. A missão evangelizadora da Igreja desde sempre se preocupou com as consequências dos problemas sociais da descristianização da sociedade e no esquecimento dos valores espirituais. É neste contexto que, em 5 de Maio de 1980, a Sagrada Congregação da Fé publica a declaração “Jura et Bona” sobre a eutanásia. O documento refere a eutanásia como “aquela atitude humana que está em oposição ao desígnio do amor de Deus para com o homem” e, como tal, tão inaceitável como o homicídio. Optar pela eutanásia é, “pela parte do homem recusar a soberania de Deus e o seu desígnio de amor”. Além disto é a negação da natural aspiração da vida, uma renúncia ao amor por si próprio e aos deveres de justiça e à caridade para com o próximo. Escolher a morte para si é uma violação da lei divina, uma ofensa à dignidade da pessoa, um crime contra a vida, um atentado contra a humanidade.
Nesta declaração a Igreja mostra estar consciente dos fortes condicionamentos da ordem psicológica, social e do ritmo da vida que a sociedade vigente impõe. Deixa antever, porém, que, embora atenuantes, aqueles não são argumentos válidos para que alguém decida querer a morte para si mesmo: “Todo o homem tem o dever de conformar a sua vida com o desígnio de Deus. Esta deve produzir os seus frutos aqui na terra a fim de encontrar a sua plena perfeição somente na vida eterna”.
Ninguém escolhe por gosto a eutanásia, o doente incurável, terminal, quer mais é libertar-se do que terminar a existência, quer mais “uma outra vida” do que esta vida. Tais motivos permitem concluir que, nem este, nem qualquer argumento contra a vida são convincentes. A vida impõe-se a todas as possíveis argumentações contrárias.
Legislação portuguesa sobre a eutanásia:
Em Portugal a eutanásia é referida na Constituição da República Portuguesa e em Códigos que regem a actividade médica e do cidadão em geral.
Na Constituição da Republica Portuguesa, exalta-se desde o inicio a dignidade humana (art.º 1º, 13º), em consonância com o articulado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art.º 16º). Especificamente nos Artigos 24º, 26º e 64º consagra o direito à vida, o dever de a defender e promover, a sua e a dos outros, sustentando que a vida humana é inviolável, sendo proscrita em nenhum caso a pena de morte.
O Código Deontológico da Ordem dos Médicos, enquadrado no âmbito dos valores e da cultura identitária da sociedade portuguesa refere, em vários princípios, a necessidade de se respeitar a vida humana, desde o seu início. Expressamente no ponto 2.2 do 2º principio Artigos 47º, 48º,49º e 50º, onde constam os princípios sobre os problemas respeitantes à vida e à morte, nomeadamente à eutanásia.
No Código Penal Português, os Artigos 131º,132º,133º,134º,135º e 136º referem respectivamente a legislação sobre homicídio, homicídio qualificado; homicídio privilegiado, homicídio a pedido da vítima, incitamento ou ajuda ao suicídio, homicídio por negligência, e, em todos eles se inclui a eutanásia!
EUTANÁSIA: CRIME OU SOLUÇÃO?
Os gestos de amor são humildes.
( E. Clemente)
Por diversos momentos, nas últimas semanas, o mundo acompanhou pelos media o caso da senhora norte americana Terri Schiavo, que a mais de quinze anos dependia de uma sonda gástrica para se alimentar, devido a um problema de oxigenação cerebral que lhe conferiu a permanência em um estado vegetativo e regressivo. Tal realidade trouxe novamente para as linhas de debate mundial, um velho tema: A Eutanásia. A questão dividiu opiniões, afinal de contas seria lícito e moralmente correcto proceder com a antecipação da morte da senhora Schiavo, a fim de lhe conferir um suposto alívio do corpo?
Depois de constatada a morte da americana, o tema ainda sucinta interrogações e esclarecimentos que contribuem para a formação de opiniões. Primeiramente cabe conceituar o que seria a Eutanásia. Etimologicamente, este termo tem suas raízes no grego, podendo ser traduzido como “boa morte” ou “morte apropriada”. Em 1623, o filósofo Francis Bacon acabou por considerar esta atitude como sendo o “devido tratamento à doenças incuráveis”. De maneira geral, entende-se por eutanásia “quando uma pessoa causa deliberadamente a morte de outra que está mais fraca, debilitada ou em sofrimento”. Ao longo da história, diversos povos, como os celtas, por exemplo, tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na Índia os doentes incuráveis eram levados à beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e bocas obstruídas com o barro. Uma vez feito isto, eram atirados ao rio para morrerem, seguindo assim um costume milenar.
A discussão acerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia também tem suas raízes na Grécia Antiga. Por exemplo, Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a ideia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Já Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, ao contrário condenavam tal ato. A discussão sobre o tema prosseguiu ao longo da história da humanidade, com a participação efetiva dos filósofos Lutero, Thomas Morus, David Hume, Karl Marx, Schopenhauer entre outros
Após toda essa breve conceituação histórica cabe salientar que, muitas das pessoas que defendem a eutanásia como prática terapêutica, argumentam que ela é uma forma de evitar o sofrimento, quando a vida não tem mais sentido, quando não se dispõe de “qualidade de vida”. Deve-se ter em conta, que um dos dados mais salientes da nossa situação cultural actual consiste na “crise de sentido”. Esta crise, em algumas partes, está condicionada por algumas posturas “modernas” que acabam por reduzir o significado do termo “qualidade de vida”, tornando-o relativizado, exclusivista e contraditório. São elas o Hedonismo (busca desenfreada pelo prazer), Individualismo (exaltação do indivíduo de modo absoluto) e o Pragmatismo (atitude própria de quem, ao fazer as suas opções, exclui a reflexão de bem colectivo fundada sobre princípios éticos).
Finalizando, é importante se ter em mente que o ser humano é indivíduo único e deve ser respeitado nas suas potencialidades individuais. Ninguém tem o direito de decidir sobre a vida ou a morte, pois se assim o fosse o mundo estaria condenado a condicionar o tempo de vida dos indivíduos causando uma intensa crise de valores. É importante lembrar que o mundo, apesar de todos os problemas de ordem sócio-cultural, próprios da actividade tecnicista, é a favor da vida, pois do contrário não seriam absolutos os números divulgados pela ONU de que 68,94% das pessoas, de uma maneira geral, condenam práticas como a da eutanásia e outras que agridem a dignidade e a vivência humana.
A diminuição da população jovem e a crescente longevidade dos idosos têm sido características do progresso económico e tecnológico dos países avançados. Hoje, em todos esses países, os idosos são a parte da população que mais cresce. Em todos os países desenvolvidos, as populações idosas imporão pressões imensas no orçamento público. Muitos países europeus enfrentam a possibilidade de um futuro com uma economia decadente e padrões de vida mais baixos sistema de segurança social começará a pagar mais reformas do que arrecada dos trabalhadores em contribuições para a segurança social. Os gastos públicos vão aumentar nos próximos anos, principalmente nas despesas com os idosos e outras pessoas vulneráveis, como os deficientes e os doentes. A vida é um processo que não pára: começa na concepção e continua até a morte natural. O processo de desvalorização da vida humana, quando começa, também vai até o fim. Geralmente, esse processo começa trazendo a aceitação social e legal do aborto, e termina trazendo a aceitação social e legal da eutanásia. Uma sociedade que assume o direito de eliminar bebés na barriga de suas mães - porque eles são indesejados, imperfeitos ou simplesmente inconvenientes - achará difícil eventualmente não justificar a eliminação de outros seres humanos, principalmente os idosos, os doentes e os deficientes. Não é de estranhar então que a eutanásia esteja avançando exactamente nos países ricos, onde há anos o aborto se tornou uma prática protegida por lei. Se a lei permite a eliminação da vida antes do nascimento, por que não permiti-la também, pelas mesmas razões, depois do nascimento?
A eutanásia passará a ser uma solução.
LEGISLAÇÃO
“Que é morrer senão erguer-se nu
ao vento e fundir-se com o sol?
( Gibran- O Profeta)
República Portuguesa
Na Lei Fundamental de Portugal Constituição da República Portuguesa podemos observar:
Art. 1º
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
E se alguma dúvida ainda subsistisse na interpretação do seu art. 1º, quanto ao respeito pela vida humana, a mesma se dissipa atento o disposto no seu:
Art. 16º n.2
Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração universal dos direitos do Homem., onde regulamenta que:
Art. 3º
Todo o indivíduo tem direito à vida à liberdade e à segurança pessoal.
Art. 24º n.1
A vida humana é inviolável.
Art. 25º n.1
A integridade moral e física das pessoas é inviolável.
O Código Penal Português trata este assunto com um rigor acentuado havendo severas penalizações no que se concerne à prática da eutanásia:
Artigos 133º e 134º - Eutanásia activa:
Art. 133º (Homicídio privilegiado)
Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Art. 134º (Homicídio a pedido da vítima)
Quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito é punido com pena de prisão até 3 anos.
A tentativa é punível.
Artigo 138º - Eutanásia passiva:
Art. 138º (Exposição ou abandono)
Quem colocar em perigo a vida de outra pessoa:
a) expondo-a em lugar que a sujeite a uma situação de que ela, só por si, não possa defender-se, ou
b) abandonando-a sem defesa, em razão de idade, deficiência física ou doença, sempre que ao agente coubesse o dever de a guardar, vigiar ou assistir, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Se o facto for praticado por ascendente ou descendente, adoptante ou adoptado da vítima, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
Se do facto resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Artigo 132º - Eutanásia eugénica:
Art.132º (Homicídio qualificado)
Se a morte for produzida em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos.
É susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância do agente:
a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima;
b) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima;
c) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar, ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil;
d) Ser determinado por ódio racial, religioso ou político;
e) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime;
f) Utilizar veneno, qualquer outro meio insidioso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;
g) Agir com frieza de ânimo com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24h;
h) Ter praticado o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Ministro da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas ou do território de Macau, Provedor de Justiça, Governador Civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante da força pública, jurado, testemunha, advogado, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público]], civil ou militar, agente da força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente ou examinador público, ou ministro de culto religioso, no exercício das suas funções ou por causa delas.
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, tomando por base no essencial o Relatório que o precede, é de Parecer:
que não há nenhum argumento ético, social, moral, jurídico ou da deontologia das profissões de saúde que justifique em tese vir a tornar possível por lei a morte intencional de doente (mesmo que não declarado ou assumido como tal) por qualquer pessoa designadamente por decisão médica, ainda que a título de "a pedido" e/ou de "compaixão";
que, por isso, não há nenhum argumento que justifique, pelo respeito devido à pessoa humana e à vida, os actos de eutanásia;
que é ética a interrupção de tratamentos desproporcionados e ineficazes, mais ainda quando causam incómodo e sofrimento ao doente, pelo que essa interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser considerada eutanásia;
que é ética a aplicação de medicamentos destinados a aliviar a dor do paciente, ainda que possa ter, como efeito secundário, redução de tempo previsível de vida, atitude essa que não pode também ser considerada eutanásia;
que a aceitação da eutanásia pela sociedade civil, e pela lei, levaria à quebra da confiança que o doente tem no médico e nas equipas de saúde e poderia levar a uma liberalização incontrolável de "licença para matar" e à barbárie;
Código Deontológico do Enfermeiro
O Código Deontológico do Enfermeiro permite também orientar a análise e avaliação de opinião do enfermeiro aquando uma tomada de decisão, de forma a garantir uma actuação segura e legal.
Artigo 78º (Princípios gerais):
As intervenções de enfermagem são realizadas com a preocupação da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana e do enfermeiro.
São valores universais a observar na relação profissional:
a) A igualdade;
b) A liberdade responsável, com a capacidade de escolha, tendo em atenção o bem comum;
c) A verdade e a justiça;
d) O altruísmo e a solidariedade;
e) A competência e o aperfeiçoamento profissional.
São princípios orientadores da actividade dos enfermeiros:
a) A responsabilidade inerente ao papel assumido perante a sociedade;
b) O respeito pelos direitos humanos na relação com os clientes;
c) A excelência do exercício na profissão em geral e na relação com os outros profissionais.
(...)
Artigo 82º (Dos direitos à vida e à qualidade de vida):
O enfermeiro, no respeito do direito da pessoa à vida durante todo o ciclo vital, assume o dever de:
a) Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor, pelo que protege e defende a vida humana em todas as circunstâncias;
.b) Respeitar a integridade bio-psicossocial, cultural e espiritual da pessoa;
c) Participar nos esforços profissionais para valorizar a vida e a qualidade de vida;
d) Recusar a participação em qualquer forma de tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante.
(...)
Artigo 87º (Do respeito pelo doente terminal):
O enfermeiro, ao acompanhar o doente nas diferentes etapas da fase terminal, assume o dever de:
a) Defender e promover o direito do doente à escolha do local e das pessoas que deseja que o acompanhem na fase terminal da vida;
b) Respeitar e fazer respeitar as manifestações de perda expressas pelo doente em fase terminal, pela família ou pessoas que lhe sejam próximas;
c) Respeitar e fazer respeitar o corpo após a morte.
ONDE É QUE A EUTANÁSIA È LEGAL?
“Se não o resolvermos ficamos sem autoridade moral
para continuar a condenar a eutanásia como homicídio”
( Daniel serrão)
Até há alguns meses o Estado americano do Oregon tinha a única lei no Mundo que permitia explicitamente a um médico prescrever drogas letais com vista a terminar a vida do paciente, ou seja, suicídio assistido.
Na Holanda, a eutanásia é muito praticada desde há muitos anos, mas só há pouco foi legalizada. Essa lei entrou em vigor no dia 1 de Abril de 2002.
Em 1995 o Território do Norte australiano aprovou a eutanásia. Essa lei entrou em vigor em 1996, mas foi anulada passados poucos meses por uma decisão do Parlamento australiano.
O site do IAETF tem dados actualizados permanentemente sobre a evolução da eutanásia no mundo. International Anti-Euthanasia Task Force. Internet: www.iaetf.org.
EUTANÁSIA VERSUS CUIDADOS PALIATIVOS
A “medicina paliativa”, ou “cuidados paliativos”, é a forma civilizada de entender e atender aos doentes terminais. Esta é uma nova especialidade de cuidados médicos ao doente terminal, que contempla o problema da morte do homem numa perspectiva profundamente humana, reconhecendo a dignidade da pessoa no âmbito do grave sofrimento físico e psíquico que o fim da existência humana muitas vezes comporta.
Nas Unidades de Cuidados Paliativos, que são áreas assistenciais, existentes física e funcionalmente nos hospitais, proporciona-se uma atenção integral ao doente terminal. Uma equipa de profissionais assiste estes doentes na fase final da sua enfermidade, com o único objectivo de melhorar a qualidade da sua vida neste transe definitivo, atendendo às necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais do paciente e da sua família. O doente precisa de se sentir seguro, precisa de confiar na equipa de profissionais que o trata, de ter a segurança de uma companhia que o apoie e não o abandone. Necessita de amar e de ser amado.
Nas Unidades de Cuidados Paliativos, que são áreas assistenciais, existentes física e funcionalmente nos hospitais, proporciona-se uma atenção integral ao doente terminal. Uma equipa de profissionais assiste estes doentes na fase final da sua enfermidade, com o único objectivo de melhorar a qualidade da sua vida neste transe definitivo, atendendo às necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais do paciente e da sua família. O doente precisa de se sentir seguro, precisa de confiar na equipa de profissionais que o trata, de ter a segurança de uma companhia que o apoie e não o abandone. Necessita de amar e de ser amado.
Herbert Hendin catedrático de psiquiatria de Nova York, director da American Suicide Foundation, depois de se debruçar sobre a problemática dos doentes terminais chegou à conclusão que a eutanásia não é solução. “Na Holanda começou a praticar-se a eutanásia em doentes terminais; passou-se para doentes crónicos; daí se passou para os doentes com dores muito fortes ou que sofriam de doenças do foro psíquico e depois veio a eutanásia voluntária, até chegarmos ao estado actual de a aplicar sem o consentimento do doente”. No seu livro Seduced by Death, Hendin afirma: “A eutanásia identifica o médico com a morte, porque é o médico e não a doença quem determina quando deve morrer o doente. Os médicos evitam os doentes terminais, mas a sua obrigação é permanecer junto deles tratando-os, quando não os podem curar. (...) Se os médicos conhecessem melhor a medicina paliativa haveria menos casos de eutanásia. (...) Quando alguém sabe que a sua doença é incurável, sente medo à dor. Mas há uma alternativa para a dor e para o medo, como também para o prolongamento artificial e inútil da vida do doente: os progressos conseguidos na última década, no campo dos calmantes”.
A Holanda espera que o Governo leve ao Parlamento modificações da lei vigente. Os médicos, por seu lado desejam que a eutanásia seja despenalizada às claras, pois que na prática é o que sabemos e talvez não saibamos nem tudo, nem até que ponto.
Herbert Hendim diz que na Holanda se sacrifica a justiça à harmonia social, considerada um valor mais importante, se entendemos harmonia como um consenso que anestesia as consciências.
PERSPECTIVA RELIGIOSA
“Not dead, but gone before – Não morreram, partiram primeiro.”
(Provérbio Inglês)
O homem é o único ser sobre a Terra que tem consciência da sua finitude, o único a saber que a sua passagem neste mundo é transitória e que deve terminar um dia. À semelhança das organizações de saúde, a igreja católica mostra-se também contrária à prática da eutanásia, alegando argumentos como o reconhecimento sagrado da vida e o primado do indivíduo sobre a sociedade. Mas nem todas as igrejas têm a mesma postura. A igreja calvinista, por exemplo, mostrou-se recentemente a favor da sua prática em condições muito específicas.
Outros, porém, defendem que “a vida é um direito e não uma obrigação”, como referiu Ramón Sampedro no seu pedido de morte antecipada a um tribunal espanhol.
É o caso, entre outros, da Federação Mundial de Associações pelo Direito a uma Morte Digna, que agrupa 37 organizações provenientes de 22 países. Esta federação foi fundada em 1980 e defende que cada indivíduo tem o direito a tomar as suas próprias decisões sobre a forma e o momento adequado para a sua morte. Cada uma das associações trabalha com objectivos distintos, em função do contexto legislativo do país de origem. Assim, se algumas procuram divulgar a possibilidade de deixar em vida testamentos onde se preveja a eutanásia, outras centram-se na tarefa de obter o direito legal a ajuda médica no momento da morte, seja por suicídio assistido ou através de eutanásia voluntária.
A seguir apresento uma entrevista publicada no site visao.clix.pt/default.asp?CpContentId=332921 - 42k com o padre Gonzalo Miranda, L.C. Realizada pela agência de informação Zenit:
Data de publicação: 2004-09-06
A outra face da eutanásia autorizada (na Holanda): a eugenia
Entrevista com o padre Gonzalo Miranda, L.C.
ROMA, segunda-feira, 6 de setembro de 2004 (ZENIT.org).- Matar crianças com critérios seletivos: assim se traduz, segundo o padre Gonzalo Miranda, L.C., decano da Faculdade de Bioética do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum (de Roma), a decisão da Holanda de permitir a eutanásia de crianças.
Dia 30 de agosto a Justiça desse país permitiu que o Hospital Universitário de Groningen induzisse à morte menores de doze anos, inclusive os recém-nascidos, quando sofrerem de uma enfermidade incurável e um sofrimento insuportável. A prática da eutanásia já está regulamentada no país pela lei de abril de 2002.
«Infelizmente todas as preocupações surgidas a respeito da legislação holandesa sobre a eutanásia estão se verificando tragicamente», reconhece nesta entrevista concedida a Zenit o padre Miranda, L.C., que representou a Igreja Católica no Comitê Internacional de Bioética da UNESCO, encarregado de redigir uma Declaração sobre Normas Universais de Bioética.
-↔
Segundo a Evangelium Vitae → Ameaças graves pesam sobre os doentes incuráveis e os doentes terminais, num contexto social e cultural que, tornando mais difícil enfrentar e suportar o sofrimento, avivam a tentação de resolver o problema do sofrimento eliminando-o pela raiz, com a antecipação da morte para o momento considerado mais oportuno. Para tal decisão concorrem, muitas vezes, elementos de natureza diversa mas infelizmente convergentes para essa terrível saída. Pode ser decisivo, na pessoa doente, o sentimento de angústia, exasperação, ou até desespero, provocado por uma experiência de dor intensa e prolongada. Para além do motivo de presunta compaixão diante da dor do paciente, às vezes pretende-se justificar a eutanásia também com uma razão utilitarista, isto é, para evitar despesas improdutivas demasiado gravosas para a sociedade. Propõe-se, assim, a supressão dos recém-nascidos defeituosos, dos deficientes profundos, dos inválidos, dos idosos, sobretudo quando não auto-suficientes, e dos doentes terminais. « Só Eu é que dou a vida e dou a morte » (Dt 32, 39): recusando ou esquecendo o seu relacionamento fundamental com Deus, o homem pensa que é critério e norma de si mesmo e julga que tem inclusive o direito de pedir à sociedade que lhe garanta possibilidades e modos de decidir da própria vida com plena e total autonomia. Por meio de sistemas e aparelhagens extremamente sofisticadas, hoje a ciência e a prática médica são capazes de resolver casos anteriormente insolúveis e de aliviar ou eliminar a dor, como também de sustentar e prolongar a vida até em situações de debilidade extrema, de reanimar artificialmente pessoas cujas funções biológicas elementares sofreram danos imprevistos, de intervir para tornar disponíveis órgãos para transplante. Num tal contexto, torna-se cada vez mais forte a tentação da eutanásia, isto é, de apoderar-se da morte, provocando-a antes do tempo e, deste modo, pondo fim « docemente » à vida própria ou alheia. Na realidade, aquilo que poderia parecer lógico e humano, quando visto em profundidade, apresenta-se absurdo e desumano. Estamos aqui perante um dos sintomas mais alarmantes da « cultura de morte » que avança sobretudo nas sociedades do bem-estar, caracterizadas por uma mentalidade que faz aparecer demasiadamente gravoso e insuportável o número crescente das pessoas idosas e debilitadas. Com muita frequência, estas acabam por ser isoladas da família e da sociedade, organizada quase exclusivamente sobre a base de critérios de eficiência produtiva, segundo os quais uma vida irremediavelmente incapaz não tem mais qualquer valor. Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado « excesso terapêutico », ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência « renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes ».Há, sem dúvida, a obrigação moral de se tratar e procurar curar-se, mas essa obrigação há-de medir-se segundo as situações concretas, isto é, impõe-se avaliar se os meios terapêuticos à disposição são objectivamente proporcionados às perspectivas de melhoramento. A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana defronte à morte. Já Pio XII afirmara que é lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com a consequência de limitar a consciência e abreviar a vida. É que, neste caso, a morte não é querida ou procurada, embora por motivos razoáveis se corra o risco dela: pretende- -se simplesmente aliviar a dor de maneira eficaz, recorrendo aos analgésicos postos à disposição pela medicina. Contudo, « não se deve privar o moribundo da consciência de si mesmo, sem motivo grave: quando se aproxima a morte, as pessoas devem estar em condições de poder satisfazer as suas obrigações morais e familiares, e devem sobretudo poder-se preparar com plena consciência para o encontro definitivo com Deus. A eutanásia é uma violação grave da Lei de Deus, enquanto morte deliberada moralmente inaceitável de uma pessoa humana. A eutanásia comporta, segundo as circunstâncias, a malícia própria do suicídio ou do homicídio. Ora, o suicídio é sempre moralmente inaceitável, tal como o homicídio. A tradição da Igreja sempre o recusou, como opção gravemente má. Compartilhar a intenção suicida de outrem e ajudar a realizá-la mediante o chamado « suicídio assistido », significa fazer-se colaborador e, por vezes, autor em primeira pessoa de uma injustiça que nunca pode ser justificada, nem sequer quando requerida. « Nunca é lícito — escreve com admirável actualidade Santo Agostinho — matar o outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse, porque, suspenso entre a vida e a morte, suplica ser ajudado a libertar a alma que luta contra os laços do corpo e deseja desprender-se; nem é lícito sequer quando o doente já não estivesse em condições de sobreviver ».
Deus é o único que tem o poder de fazer morrer e de fazer viver: « Só Eu é que dou a vida e dou a morte » (Dt 32, 39; cf. 2 Re 5, 7; 1 Sam 2, 6). Ele exerce o seu poder sempre e apenas segundo um desígnio de sabedoria e amor. Quando o homem usurpa tal poder, subjugado por uma lógica insensata e egoísta, usa-o inevitavelmente para a injustiça e a morte.
PERSPECTIVA FILOSÓFICA
O ser humano foi “dado a si próprio”
e não se “fez” a si próprio.
(anónimo)
A questão da Eutanásia não é nova. Platão na "República" já a aborda e parece concordar com a mesma, nomeadamente como uma forma de eliminar pessoas com doenças incuráveis. Tomás Moro, também na "Utopia", propõe que os sacerdotes e os magistrados convençam estes doentes a morrerem. Francis Bacon que terá inventado o termo, defende-a também. Nietzsche em várias obras tem idênticas posições. A aceitação da morte pelo doente é encarada como uma forma de evitar encargos "inúteis" para a sociedade e as famílias. Este argumento económico continua a ser largamente referido para a tomada de medidas a favor da eutanásia. A evolução das sociedades humanas tem sido feita no sentido de preservar a vida humana, independentemente das condições do seu ser. Cada pessoa é única e tem a sua própria dignidade e como tal deve ser respeitada. Neste sentido, a partir do século XIX começou a ser proibido diversas práticas antes aceites ou toleradas, como o aborto, eutanásia e a eugenia. Os que defendem a eutanásia, afirmam que esta é a única forma de preservar a dignidade do ser humano quando só lhe resta o sofrimento e a dependência extrema. Manter a vida em condições artificiais é prolongar o sofrimento e a agonia dos doentes, condenando-os a uma sub-vida.
Os que a condenam a eutanásia afirmam que esta é sempre o suicídio de alguém, ainda que para morrer tenha que pedir ajuda a outros. Quem presta ajuda esta a cometer um homicídio ou assassinato. O que está em causa, segundo esta perspectiva, é o valor da vida humana, e esta em circunstância alguma deve ser posta em causa. A "eutanásia involuntária" por todas as razões anteriores é um claro assassinato, pois nem a desculpa tem que corresponde a um pedido da vítima.
Um dos temas recorrentes dos que recusam a eutanásia (ou o aborto), diz respeito à banalização do próprio acto (argumento da rampa ou encosta escorregadia). Primeiro começa-se por eliminar os doentes em estado vegetativo. Depois de banalizada esta prática alarga-se a eutanásia a outros casos em função das conveniências do momento. Exemplo mais citado: Na Holanda, o primeiro país a legalizar a eutanásia, esta começou por ser apenas voluntária, tendo depois passado à eutanásia involuntária, acabando por ser ser confiada aos médicos para a qual não carecem de autorização das famílias. No princípio fixou-se que os médicos só podiam matar as crianças sem autorização dos pais com mais de 13 anos, e actualmente autoriza-se que o façam logo à nascença desde que tenham uma mal formação. Os números que são apresentados são pouco fiáveis, dado variarem muito de autor para autor, em todo o caso envolvem milhares de pessoas por ano.
É sempre a partir da vida, com ou sem boa saúde, que se fala de morte e da aproximação da morte. O pensamento sobre a morte suscita habitualmente o medo, o terror perante o possível sofrimento, a angústia não só em face do desconhecido, mas principalmente perante o sentimento do vazio ou do nada, no qual nos projecta. É por isso que não gostamos de evocar nem a morte nem a sua aproximação. A prova indirecta desta situação, ao nível da filosofia, encontramo-la na quantidade relativamente reduzida de trabalhos dedicados à compreensão da morte e aos problemas conexos.
Três teses filosóficas sobre a morte:
Será a morte um acto ou um acontecimento, algo que surge em nós ou algo de vivido por nós? A esta questão associa-se uma outra, aparentemente banal, mas tão complexa como filosoficamente primordial: quem morre?
Primeira tese → A morte é compreendida como o ser humano é compreendido. A representação imaginária da morte tende para uniformizá-la como se ela fosse um acontecimento idêntico para toda a gente, na medida em que em cada caso põe fim a uma existência humana inserida no tempo cósmico e na história humana. Mas, ao nível existencial, cada um é um ser “pessoal” único e não repetível na sua configuração existencial, do mesmo modo, a morte é cada vez singular e única. Se a morte é o fim de uma existência humana, ela não se compreende senão como precisamente o fim de tal existência, de que não pode ser nem cortada, nem isolada. A morte reenvia-nos assim para a compreensão da essência do ser humano.
Segunda tese → Quem morre com efeito senão o ser humano? Não se pode limitar a morte humana à sua faceta puramente biológica ou orgânica, embora esta afirmação não implique que a morte “biológica” seja a morte definitiva do ser humano. Na verdade, a morte é una e não “adjectivável” no sentido em que, pelo menos do ponto de vista físico, não existe a morte acidental, a morte do tronco cerebral, a morte rápida ou lenta, etc. Estas expressões, tais como outras do mesmo estilo, determinam aspectos que precisam a causa da morte, os seus sintomas ou a modalidade da vida que se apaga; enquanto morte do ser humano, ela é somente … morte. A determinação médica da morte previsível e dos seus critérios não pode senão limitar-se à faceta externa e orgânica da morte. Dado que o ser humano se apresenta como a unidade diferenciada entre o corpo objectivo e a consciência encarnada e espiritual, a morte afecta necessariamente essas dimensões da unidade humana. Se o espírito do ser humano é a face interna e invisível que unifica a existência, devemos concluir que a morte diz respeito não só ao corpo, mas `dimensão espiritual. O que é, contudo, “morrer” para o espírito? Não temos nenhuma experiência do efeito da morte física sobre a dimensão espiritual do ser humano, mas somos filosoficamente conduzidos para duas conclusões complementares e, irrefutáveis: a morte só tem a “última palavra” sobre o ser humano se este se limita à sua dimensão orgânica; uma vez que esta condição não está preenchida, a morte é um acontecimento tão espiritual como orgânico, sendo com efeito o ser humano um corpo atravessado por uma autoconsciência espiritual. Na morte, é o ser humano espiritual que biologicamente morre e não somente o organismo humano.
Terceira tese → A morte é um acontecimento no qual a presença dos outros seres humanos está implicada. Afirmar que a morte é um acto, e não somente um acontecimento, implica que modifiquemos o nosso ponto de vista a seu respeito. Não se trata de dizer que a causa externa da morte (doença, acidente, suicídio ou idade avançada) foi um acto; em todos os casos, com efeito a morte é um acontecimento para quem assiste á morte de outro ser humano. É também um acontecimento para quem, misteriosamente a vive. Mas, além disso, ela pode ser considerada igualmente como um acto do ponto de vista do espírito humano que a vive. Na medida em que possui uma dimensão espiritual que envolve a dimensão biológica, a morte pode ser abordada enquanto acto de auto-afecção da pessoa espiritual que morre. Não temos a priori a mínima experiência da morte enquanto acto, se tal experiência é por definição não comunicável nem partilhável. Daí não se segue porém que a morte não possa ser considerada como acto. Chegamos à conclusão que a morte de uma pessoa é apenas um acontecimento puramente orgânico.
A Eutanásia como problema ético:
A ética enquanto apresentada filosoficamente não é por si própria capaz de se impor de modo autoritário: a sua única autoridade é a da racionalidade dos seus argumentos, o que exige dos seus auditores a decisão de se deixarem guiar só pela força inerente ao discurso racional, isto é, pelo poder de convicção sobre as consciências individuais.
Desde Francis Bacon, a eutanásia designava o processo da morte doce, com sofrimentos atenuados, a eutanásia era um estado desejado e sofrido pelo paciente. Hoje, sobretudo desde o princípio deste século, a eutanásia significa o acto de provocar a morte de uma pessoa de que se julga “indigno” o estado de saúde. A esta distinção entre eutanásia como estado e como acto acrescenta-se a necessidade de distinguir entre o acto de eutanásia eugénica – por exemplo, a eliminação compulsiva dos deficientes e malformados durante o período nazi – e a eutanásia como acto de antecipar uma morte de que, por motivos de saúde, se vislumbra o fim próximo. Em terceiro lugar distingue-se a eutanásia praticada a pedido do paciente ou à sua revelia. Não se pode considerar como acto de eutanásia a paragem de tratamentos considerados como inúteis ou exagerados em relação aos benefícios esperados. Do mesmo modo, o suicídio assistido não é, em termos rigorosos, um acto de eutanásia. No sentido estrito e correcto, a eutanásia reside no acto de provocar a morte, com ou sem o consentimento do doente, cuja vida é considerada como tendo atingido uma situação insuportável de degradação.
O facto de invocar a incapacidade do outro para tomar decisões, em virtude do seu eventual estado de inconsciência, não altera as condições nas quais se opera o relacionamento de uma liberdade com outra liberdade. A incapacidade de manifestar vontade própria quer por causa da perda de consciência, quer sob o impacto do sofrimento, não nos confere um direito de decisão sobre a morte do outro. O respeito recíproco que pessoas humanas podem e devem esperar uma da outra faz-nos considerar como violação da liberdade e da pessoa do outro a decisão da eutanásia praticada sem o conhecimento da pessoa a quem diz respeito. Esta tese ética decorre da compreensão antropológica e constitui a fundamentação sólida contra o uso da eutanásia.
A eutanásia que acabamos de encarar corresponde somente ao caso da morte provocada por um agente de saúde (médico ou enfermeiro) para, no desconhecimento do doente, pôr fim a uma vida sem possibilidade de cura e considerada como inumana em função dos sofrimentos considerados como insuportáveis. Qual será a posição ética face ao pedido de eutanásia provindo do próprio doente? É preciso distinguir entre as palavras explícitas do doente que pede o “cocktail letal” e a palavra profunda que se esconde por detrás deste pedido. O que o moribundo pede é a diminuição dos seus sofrimentos assim como um acompanhamento que ao mesmo tempo lhe faça sentir que a sua vida ainda “vale a pena” aos olhos dos outros senão aos próprios olhos. No pedido de assistência ao suicídio, intervém sempre o sofrimento do pessoal de saúde e dos familiares que muitas vezes não aguentam o peso do sofrimento do paciente, peso de que o acto de eutanásia ou de assistência ao suicídio os libertaria. Quanto a ela, a ética filosófica recusa a eutanásia na base de um argumento teórico. Existe uma diferença entre autonomia e autarcia. Se o ser humano dispõe da sua liberdade para conduzir a sua vida, a autonomia que está no fundamento desta liberdade não coincide com a autarcia, segundo a qual o ser humano é dono exclusivo e solitário da sua identidade pessoal. Se a autonomia e autarcia coincidissem, o suicídio seria uma conduta ética legítima e positivamente valorizada. A rede de dependências faz com que a finitude humana, embora seja vivida na liberdade de construir um caminho pessoal autónomo, seja marcada também pelos limites da liberdade. Ora esses limites afectam quer o princípio da vida, quer o fim da vida. A liberdade encontra o seu limite em face das próprias fronteiras da vida. O erro teórico consiste aqui em confundir a liberdade dentro da vida, isto é, a autonomia ética, com a liberdade em face da vida, sendo a vida entendida como totalidade temporal.
Tal é o principal argumento ético que se opõe quer à eutanásia a pedido do doente, quer à assistência ao suicídio, quer ao próprio suicídio. A eutanásia implica um acto que, erradamente, a liberdade julgou eticamente correcto; erradamente, porque se confundiu a capacidade humana de “pôr actos livres” e a condição de uma liberdade absoluta, dispensada de qualquer exigência de justificação. Sem autonomia não haveria liberdade. A liberdade reside na capacidade de assumir os seus actos, de lhes conferir um sentido e de os integrar no dinamismo de uma vida ética pessoal. A autonomia implica a presença da razão no ser humano. Sem a razão, o homem é prisioneiro dos seus desejos, das suas paixões e do capricho afectando as suas aparentes decisões livres. O ser humano sendo autónomo, não dispõe de uma liberdade absoluta sobre si próprio. Tendo recebido a vida, ele é, quer queira quer não, responsável face à vida recebida. Esta responsabilidade implica a capacidade de responder pela sua vida em face dos outros, dos seus próximos, em face do próprio mistério da vida biológica assim como em face do mistério da origem absoluta da vida.
A eutanásia, o suicídio, assim como o pedido de eutanásia se fosse atendido, não corresponderiam a um acto correcto e adequado da liberdade “autónoma”. Além da razão já invocada, segundo a qual o pedido de eutanásia recobre na maior parte das vezes, sob forma de grito, um pedido de socorro, concluímos que o suicídio é o acto de uma liberdade que se julgou erradamente autárcica, isto é, única dona e proprietária de si mesmo. Neste sentido, o suicídio bem como a eutanásia não se coadunam com a ética da “condição humana”.
O artigo “eutanásia” do Dictionnaire d’éthique et de philosophie morale, artigo breve assinado por Jean-Yves Goffi, apresenta as posições éticas sobre a eutanásia de modo antiético, opondo “a posição conservadora” e a “posição permissiva” implicitamente entendida como progressista. Alguns sofismas viciam em nosso entender a descrição da teoria dita “conservadora”; assimila-se a cessação de tratamentos terapêuticos a um acto de eutanásia não confessada. Por outro lado, além de uma recusa simplista da validade do acto com duplo efeito, sublinha-se a impossibilidade de determinar o critério teórico que separa uma omissão não “eutanásica” de tratamentos e uma omissão, por exemplo de hidratação e de alimentação dos doentes terminais, que, no entender do autor seria um acto de eutanásia. Subentende-se assim que a posição conservadora, estritamente dita, aceitaria a não hidratação dos doentes terminais e que esta omissão não seria um acto de eutanásia. As preferências implícitas do autor deste artigo vão no sentido da aceitação da admissibilidade ética da eutanásia voluntária, isto é, a pedido do doente terminal. “A morte é às vezes o único recurso para preservar a sua humanidade em face dos processos cegos da natureza: existe portanto um direito ao suicídio ou à eutanásia voluntária”.
Toda a decisão ética quanto à eutanásia pressupõe uma fundamentação filosófica. No fim de contas trata-se de saber quais os limites da liberdade humana na sua autonomia. A autonomia humana comporta os limites inscritos na sua finitude radical. O ser humano foi “dado a si próprio” e não se “fez” a si próprio. Do mesmo modo, não lhe compete atribuir-se a possibilidade ética de se “desfazer” a si próprio.
Sem comentários:
Enviar um comentário